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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Há plano para jogar no lixo dois séculos de conquista





O alerta de Eduardo Galeano:
Há plano para jogar no lixo dois séculos de conquista

“Este é um mundo violento e mentiroso, mas não podemos perder a esperança e o entusiasmo pela mudança”, diz Eduardo Galeano.
Eduardo Galeano:
"O mundo é violento, mas não podemos perder a esperança".
O escritor uruguaio, historiador literato de seu continente, através de obras como “As Veias Abertas da América Latina” e da trilogia “Memória do Fogo”, falou nesta entrevista sobre os últimos acontecimentos na América Latina e a crise econômica mundial.
De sua mesa de sempre no central Café Brasileiro, deixando atrás da janela o frio do inverno austral, insiste que “a grandeza do homem está nas pequenas coisas, que são feitas cotidianamente, dia a dia, por anônimos sem saber que as fazem”.
Ele alterna as respostas com episódios de seu último livro, “Os Filhos dos Dias”, em que agrupa 366 histórias verdadeiras, uma para cada dia do ano, que contêm mais verdade do que falar sobre inidcadores de risco.
Confira abaixo a entrevista para a rede BBC
A crise europeia está sendo tratada pelos líderes políticos a partir de um discurso de sacrifício da população.
Eduardo Galeano: É igual ao discurso dos oficiais quando eles mandam os recrutas para morrer, com menos cheiro de pólvora, mas não menos violento.
Este é um plano sistemático em nível mundial para jogar no lixo dois séculos de conquistas dos trabalhadores, para que a humanidade retroceda em nome da recuperação nacional. Este é um mundo organizado e especializado no extermínio do próximo.
E então condenam a violência dos pobres, dos mortos de fome; a outra se aplaude, merece condecorações.
A “austeridade” está sendo apresentada como única saída?
Galeano: Para quem? Se os banqueiros que causaram esse desastre foram e continuam sendo os principais ladrões de banco e são recompensados ​​com milhões de euros que lhe são pagos como compensação…
É um mundo muito mentiroso e muito violento. A austeridade é um antigo discurso na América Latina. Assistimos a uma peça de teatro que foi estreada aqui e já a conhecemos.
Sabemos tudo: as fórmulas, as receitas mágicas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial
Você considera que o empobrecimento da população é mais violento?
Galeano: Se a luta contra o terrorismo fosse verdadeira e não uma desculpa para outros fins, teríamos que cobrir o mundo com cartazes que dissessem: “procuram-se os sequestradores de países, os exterminadores de salários, os assassinos de emprego, os traficantes do medo “, que são os mais perigosos, porque te condenam à paralisia.
Este é um mundo que te domestica para que desconfies do próximo, para que seja uma ameaça e nunca uma promessa. É alguém que vai te fazer dano e, para isso, é preciso defender-se. Assim se justifica a indústria militar, nome poético da indústria criminosa. Esse é um exemplo claríssimo de violência.
Passando à política latino-americana, o México continua nas ruas protestando contra os resultados oficiais das eleições…
Galeano: A diferença de votos não foi tão grande e pode ser difícil provar que houve fraude. No entanto, há uma outra fraude mais profunda, mais fina e que é mais nociva à democracia: a que cometem os políticos que prometem tudo ao contrário do que depois fazem no poder. Assim eles estão agindo contra a fé na democracia das novas gerações.
Quanto à destituição de Fernando Lugo no Paraguai, pode-se falar de golpe de estado se ela foi baseada nas leis do país?
Galeano: Está claro que no Paraguai foi suave e amplamente um golpe de Estado. Eles golpearam o governo do padre progressista não pelo que tenha feito, mas pelo que poderia fazer.
Não tinha feito grande coisa, mas, como propunha uma reforma agrária – em um país que tem o grau de concentração de poder da terra mais alto na América Latina e em consequência a desigualdade mais injusta – teve algumas atitudes de dignidade nacional contra algumas empresas internacionais toda-poderosas como a Monsanto e proibiu a entrada de algumas sementes transgênicas…
Foi um golpe de Estado preventivo, apenas no caso de, não pelo que és mas pelo que podes chegar a fazer.
Lhe surpreende que continuem ocorrendo essas situações?
Galeano: O mundo hoje é muito surpreendente. A maioria dos países europeus que pareciam estar vacinados contra golpes de Estado são agora governos governados pelas mãos de tecnocratas designados a dedo por Goldman & Sachs e outras grandes empresas financeiras que não foram votadas por ninguém.
Até mesmo a linguagem reflete isso: os países, que se supõe que são soberanos e independentes, têm que fazer bem seus deveres, como se fossem crianças com tendência à má conduta, e os professores são os tecnocratas que vêm para puxar suas orelhas.

Fonte: BBChttp://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/07/entrevista-com-eduardo-galeano-sobre-rumos-do-planeta.html   Postado em: 24 jul 2012 às 22:24

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O MESTRE DA PACIÊNCIA




Conta a lenda que um velho sábio, tido como mestre da paciência, era capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um homem conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu com a intenção de desafiar o mestre da paciência. O velho aceitou o desafio e o homem começou a insultá-lo. Chegou a jogar algumas pedras em sua direção, cuspiu em sua direção e gritou todos os tipos de insultos.

Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o homem se deu por vencido e retirou-se. Impressionados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pudera suportar tanta indignidade. O mestre perguntou:
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?
- A quem tentou entregá-lo. Respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale p/ a inveja, a raiva e os insultos. Quando não aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.

A sua paz interior depende exclusivamente de você.
As pessoas não podem lhe tirar a calma.....a não ser que você permita!!!!!!Conta a lenda que um velho sábio, tido como mestre da paciência, era capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um homem conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu com a intenção de desafiar o mestre da paciência. O velho aceitou o desafio e o homem começou a insultá-lo. Chegou a jogar algumas pedras em sua direção, cuspiu em sua direção e gritou todos os tipos de insultos.

Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o homem se deu por vencido e retirou-se. Impressionados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pudera suportar tanta indignidade. O mestre perguntou:
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?
- A quem tentou entregá-lo. Respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale p/ a inveja, a raiva e os insultos. Quando não aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.

A sua paz interior depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma.....a não ser que você permita!!!!!!

Ano Zero


Marlene checou uma vez mais o endereço no cartão de visitas. "Doutor Oublier". Ali estavam suas esperanças últimas, haveria de dar certo. O tal consultório ficava em uma ruazinha escondida atrás da Central do Brasil, em um velho sobrado esquecido no tempo. Algo de "verde-mofo" na fachada, nenhuma placa. Só o número 5 na rua indicada. Passara a manhã revisitando pequenos guardados antes de sair...um caderno de tentativas poéticas, fotos que, de tão velhas, já estavam sépias, cores lavadas pelo tempo. Uma grande caixa estampada guardava um sem fim de emaranhado de fitas de cores muitas, adorava fitas. Sempre que recebia um presente, coisa meio que rara (e ainda mais com laço de fita...), invariavelmente, as guardava. Gostava de laços...Apesar da idade avançada, nem velha, nem menina, ainda adornava, vez por outra, seus cabelos escuros já riscados por alguns fios brancos com o tal adereço. O desse dia tão importante era azul como o céu que acompanhava seu ansioso percurso. Escolhera sua saia predileta: branca, rodada, com "poás" amarelos. Camisa branca bem cortada, sapatinhos de boneca, algo de blush nas faces naturalmente ruborizadas de expectativas. Na mão, uma bolsa vermelha. Marlene e seus contrastes...

Subiu num só fôlego as escadas que estalavam a cada pisada, como se fosse desabar. Deu de cara com uma porta aberta, onde já era esperada, para seu espanto. Um homem, nem feio, nem bonito; também nem velho, nem menino. Usava calças cinzas, sapatos gastos e suspensórios sobre uma camisa azul. Os óculos do tal Oublier eram  remendados com esparadrapo já meio ensebado pelo manuseio. Não recuou, apesar do desconforto inicial causado pela figura. Estava decidida. Olhou para os lados: paredes nuas, nenhuma gravura, nenhuma informação. Até que fazia algum sentido. Com um gesto, Oublier apontou uma linda poltrona floral, talvez o único objeto bonito naquela sala de um beje indefinível.

- O que a traz aqui? - começou o homem, já esperando como resposta o que quase todas as criaturas aflitas buscavam ao cruzar aquela porta.

-Paz.- respondeu Marlene. Por essa não esperava o tal "especialista".

-Como? Sou especialista em deletar memórias. Zerar experiências. Sou o mago do esquecimento, não acredito em superação de traumas. Paz?

-Oras, Doutor Oublier, paz! É a mesma coisa...tudo isso que o senhor disse ai para mim se resume em paz...Você pode limpar minha memória? Como um computador? Esvaziar a lixeira? Tem que ser irreversível.

-Mas ninguém quer esquecer tudo...

-Eu quero. Não queria ter que dar com a cabeça em um poste, por isso estou aqui. Me machucaria sem garantias de uma amnésia absoluta. Pode ou não pode?

-Posso. Minha sorte é que com esse esquecimento total, não há do que reclamar, nem com quem reclamar. Isso que me pede a fará esquecer até mesmo quem sou.

-Ótimo. É algum remédio? Me dê a receita, a fórmula...trouxe dinheiro.

-Não. Não lido com fármacos. Lido com a escuta. Um momento...

Oublier abaixou e pegou, embaixo de sua cadeira de madeira carcomida, um baú vazio. Abriu a caixinha, pousando-a sobre uma mesinha redonda ao lado de seu assento.

-Marlene seu nome, né? Pois bem, Marlene, me fale o que quiser. Fale o que te aflige mais. Fale tanto quanto possível. Por sorte, hoje só tenho você para atender...ficará tudo retido aqui. Não devolvo o baú de memórias, mas como já disse, você não vai mesmo se lembrar de nada. Com sorte, reaprenderá tudo, por caminhos novos. Lembrando que pessoas esquecidas são tidas como dementes.

-Sem problemas. Já sou tida como demente, mesmo tendo uma memória mais que razoável. Tanto faz. Nem sei se você é sério, mas não tenho tanto a perder.

-Então comece.

-Quero esquecer tudo.

-Filhos?

-Um só, já crescido, vivendo em outro país. Essa missão está cumprida. Quero esquecer o que sou, mas principalmente, o que nunca fui ou serei. Quero esquecer que sinto medo de quase tudo...mais! Quero esquecer que o medo existe. Quero esquecer as mentiras que me contaram...quero esquecer as mentiras que contei para mim mesma. Quero esquecer que nasci em um país repleto de mentiras e dor. Quero esquecer minhas fantasias, que muitas vezes, são as únicas razões de continuar viva e sofrendo por elas. Quero esquecer o que significa saudade. Quero esquecer que vivo em um mundo onde se ama quase sempre pela metade. Quero esquecer as porradas literais e simbólicas que, de tantas, nem sei quantas foram. Quero esquecer quem fez essa cicatriz que trago na testa. Quero esquecer meus pequenos prazeres, meus desenhos tortos, minha tara por doce de leite, minha vaidade rasa, minha carência infantil...quero esquecer meus amores enterrados em cemitérios e lembranças, as calúnias que me levaram o sono, meus momentos de ira que roubaram sonos alheios, minha família inexistente(................................), enfim, quero esquecer, muito mais do que sou, o que nunca fui e nunca serei (etc, etc).

Oublier era um homem frio, que não entrava em méritos de valor algum. Segurou-se muito para dizer que Marlene era muito, mas muito mais interessante que ela jamais poderia supor. Além de linda. Uma voz firme a agradável. Segurou-se! Não deixaria que aquele rosto soasse como um canto de sereia. Tinha uma reputação a zelar...não seria ela a primeira a voltar para reclamar a posse da própria história. Ele tinha um dom, e não se faria ausente à missão para a qual não cobrava um centavo sequer. Mas ainda tentou algo, com uma voz quase vacilante...

-Marlene...eu ainda não fechei o baú...quando isso acontecer, estará feito...acho que você já disse tudo que importa, o Sol até já se foi...é noite.

-Pois feche o baú.

-Entende que será como nascer agora em um corpo avançado em anos?

-Detalhe sem importância. Feche o baú.-Marlene estava absolutamente convicta.

Oublier fechou com um estranho pesar. Feito isso, Marlene assumiu o semblante de uma boneca de porcelana. Cumprindo um protocolo, o homem esvaziou sua bolsa de seus documentos. Dentro, deixou um espelho que pudesse ser um ponto de partida para uma possível nova vida. Ou ao menos, uma nova existência. Não fizera nada assim antes, mas Marlene...ah, Marlene deslocara algo estranho dentro dele. Gostaria, no íntimo, de ter falhado. Mas isso nunca (jamais!) acontecera antes. Todo mundo saía "deletado" dali.

-Pode ir, moça...

Marlene se levantou, desceu as escadas...andou sem rumo até o sol nascer de novo...foi encontrada por uma vizinha de prédio e conduzida à sua casa. Não diria palavra sequer, tampouco oferecia resistência. Ao fechar a porta atrás de si, já estava informada de se chamar Marlene. Deu de ombros, sentia cansaço. Passou pela cozinha. Uma maçã muito vermelha atraiu seu olhar virgem de registros significativos. O cheiro era bom...comeu a maçã e desabou em sono profundo.

Do outro lado da cidade, Oublier voltava da praia, onde jogava ao mar os baús dos agoniados que, por décadas, atravessavam sua porta em busca do "alívio". Ao entrar em seu quarto, deu de cara com o de Marlene. Uma semana se passava, e mais outra, e outros baús ganhavam o Oceano...menos o de Marlene. Às vezes, abria-o para sentir o cheiro da história daquela mulher tão...tão sabe-se lá, encantadora, talvez...As histórias contadas ganhavam forma material dentro daquelas caixinhas. Oublier não conseguia se privar do prazer de acarinhar um pedaço vermelho de fita de cetim...ou um sachê de chá de frutas cítricas...ou de ouvir aquela música que representara um dia, para aquela bela dama cansada,toda a dor do mundo. O que o "infalível" não sabia é que, cada visita ao museu particular daquela mulher, representava uma "fuga" das memórias retidas. Marlene voltava a se encantar por novas fitas, e numa manhã chuvosa, testava, pela "primeira vez", uma receita de maçã do amor...ao som de lindas músicas. Ao menos dele, ela não se lembrava...até então.

Claudia Tonelli