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domingo, 25 de março de 2012

Protógenes cobra de Roberto Gurgel informações sobre investigação envolvendo Demóstenes


Deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) pede detalhes sobre processo encaminhado à Procuradoria-Geral da República em 2009 que contém relações de Carlinhos Cachoeira com políticos 

MURILO RAMOS



O deputado federal Protógenes Queiroz (Foto: José Cruz/ABr )

Na quarta-feira (21), o deputado federal delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) encaminhouofício ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em que solicita informações sobre a existência de “deputados, senadores, ministros e autoridades” na quebra de sigilo telefônico de um processo originado na Vara Federal de Anápolis (GO) em 2008. Queiroz também questiona Gurgel se o processo foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), casos em que senadores, deputados e ministros são investigados em função da prerrogativa de foro privilegiado.
De acordo com reportagem do jornal O Globode sexta-feira (23), a Polícia Federal interceptou ligações telefônicas entre o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira- preso durante a Operação Monte Carlo da PF há quase um mês - e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Nas conversas, Demóstenes pede R$ 3 mil a Cachoeira para pagar uma empresa de táxi-aéreo e repassa informações sobre reuniões mantidas no Executivo, Legislativo e Judiciário. As conversas captadas pela PF reforçam as ligações de Cachoeira com o senador. ÉPOCA já havia revelado que Demóstenes ganhara um aparelho de rádio, habilitado nos Estados Unidos, exclusivo para conversar com Cachoeira, além de uma geladeira e um fogão.





·         Roberto Gurgel, procurador-geral da União (Foto: Renato Araújo/ABr)

O relatório da Polícia Federal, em que também são citados os deputados goianos Carlos Alberto Leréia (PSDB) e Sandes Júnior (PP), foi encaminhado à PGR em setembro de 2009. Desde então, Roberto Gurgel não tomou nenhuma providência. É responsabilidade de Gurgel decidir se pede ao STF a abertura de inquérito contra Demóstenes Torres e os outros parlamentares citados no processo.

Por meio da assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República, o procurador Roberto Gurgel afirmou que o processo “ficou sobrestado, pois havia uma relação com outra investigação ainda em curso”. Ainda de acordo com a PGR, o material que chegou em 2009 foi juntado ao material relativo à Operação Monte Carlo. Quanto aos pedidos de informações provenientes de parlamentares, a PGR não deverá atendê-los. “São informações cobertas pelo sigilo e, portanto, não temos como informar o conteúdo desse material”, afirmou a assessoria de imprensa da PGR.

segunda-feira, 19 de março de 2012

'O tédio dos direitos sociais': Itália começa a dscutir hoje a reforma trabalhista que, segundo o premiê Mario Monti, vai eleiminar o tédio da estabilidade no emprego


Tempos difíceis:
A democracia social ameaçada na Europa
Estamos vivendo tempos difíceis, onde se produz uma mudança profunda na consideração das coordenadas básicas de uma civilização construída em torno do valor político do trabalho e de alguns direitos de cidadania no plano social guiados por um princípio igualitário sustentado pela ação do Estado social. Essa mudança vem sendo efetuada sob a ameaça da crise e da pressão dos mercados financeiros, apresentando-se, como uma situação de exceção às regras políticas e jurídicas que já não são consideradas "adequadas" para gerir situações de emergência. O artigo é de Antonio Baylos. Antonio Baylos (*)
A saída da crise escolhida pela Europa resume-se à retomada do lucro empresarial e à desestruturação dos sujeitos coletivos que representam o trabalho assalariado. Para isso, atua-se diretamente no terreno da produção, mediante as chamadas “reformas estruturais” que conduzem à modificação permanente das leis trabalhistas e, simultaneamente, no terreno social, debilitando e, em alguns casos, destruindo literalmente as estruturas de assistência, proteção e defesa econômica dos cidadãos colocados em uma situação de subalternidade social, proscrevendo as noções de serviço público e de gratuidade no acesso a serviços básicos.

Trata-se de um desenho já experimentado na década dos 90 do século passado em países em via de desenvolvimento, como na América Latina, e que gerou um evidente efeito destrutivo sobre o ambiente social, ecológico e cultural deste mundo global. Este é o significado profundo da contrarrevolução que se iniciou nos anos 80 na Inglaterra de Thatcher e nos Estados Unidos de Reagan. A relação destas políticas de destruição e privatização das estruturas sociais que garantiam níveis mínimos de cuidado e de serviço com a escassez e a geração de novas chantagens sobre o trabalho em um mercado trabalhista cada vez mais informal e flexível, é um fenômeno político apontado por muitos analistas [1].

No caso espanhol esta dupla via de ação contra o público e o coletivo é acompanhada de uma crise das garantias democráticas básicas, virtualmente suprimidas no curso de um processo de reformas e de tomada de decisões justificadas pela necessidade ou pela irresistível imposição externa dos poderes econômicos e financeiros. A crise da democracia – “por cima” e “por baixo” na explicação de Ferrajoli [2] – acentua-se e os rituais democráticos fundamentais, as eleições políticas, o projeto diferenciado de sociedade apresentado pelos partidos, o respeito à vontade popular expressa nos resultados eleitorais, acabam pulverizados como consequência das práticas políticas justificadas como reação frente a crise.

A indiferença do projeto político defendido pelos dois maiores partidos institucionalizados e a anulação de qualquer vestígio de soberania popular na adoção de medidas de alcance geral é uma realidade estimulada por meios de comunicação dominados por um poder econômico concentrado que esvazia de conteúdo o direito a uma informação veraz, anulando suas garantias. As reformas trabalhistas vêm sendo realizadas desde maio de 2010 sob a alegação da excepcional urgência e necessidade, evitando a discussão prévia e pública no parlamento sobre os textos da reforma. A reforma da Constituição, que restringiu de forma importante o alcance e a extensão da cláusula social da mesma, foi implementada – “com sentido de Estado” – mediante um pacto entre as oligarquias burocráticas dos partidos majoritários excluindo expressamente a submissão do texto ao referendo da vontade popular.

Os mecanismos democráticos se apresentam como “formalismos” que atrapalham a tomada de decisões “necessárias”, de maneira que são deixados de lado na prática da “governança” cotidiana e são substituídos por impulsos e automatismos predeterminados e codificados em outro lugar, no “nível adequado” onde se adotam as decisões determinantes e cuja tradução nos diferentes espaços nacionais se realiza cada vez mais com maior opacidade e autoritarismo. Triunfo do princípio oligárquico, é a afirmação de “um longo Termidor” nas sociedades europeias do século XXI [3].

A experiência espanhola recente, onde as reformas postuladas não são conhecidas pelos cidadãos até sua aprovação pelo Conselho de Ministros, geraram um estilo de governo quase profético no qual se considera como um fato que estes tempos são ruins mas virão aí tempos piores, ou, o que é o mesmo, que as reformas “mais dolorosas” para a cidadania ainda estão por vir e ainda que não se conheça o seu teor, o certo é que eles chegarão e que “exigirão mais sacrifícios”. É possível que, praticando tal hermetismo ameaçador, pretenda-se excitar na sofrida cidadania social imagens variadas de distopias atravessadas por angustiantes pesadelos e por uma sensação de medo invencível com efeitos paralisantes em relação ao futuro.

Sem excluir esta intenção de influir no imaginário social, a opacidade governamental explica-se publicamente levando em conta que o conhecimento das medidas concretas a adotar teria consequências negativas nas eleições na Andaluzia, de 25 de março, ou nas eleições gerais, de 20 de novembro.

Assim, é explícita a concepção negativa que o governo tem das eleições, que não considera um momento decisivo de formação livre da opinião pública. Segundo essa lógica, “agora não é o momento” de conhecer o que o governo pretende fazer, ou que seu programa de governo possa ser avaliado – positiva ou negativamente – pelos cidadãos através do procedimento da eleição democrática. Não se trata, portanto, de comportamentos já conhecidos de descumprimento do programa apresentado aos eleitores como um “contrato” frente ao qual cabe uma responsabilidade política ou moral, mas sim da consideração do juízo cidadão sobre o projeto político como algo não transcendente. A liturgia eleitoral simboliza o prêmio ou o castigo aos governos pelo que fizeram (ou pelo que não fizeram), mas não permite decidir como se deve governar.

A dupla via de intervenção frente à crise, no terreno da produção e no terreno social, foi se desenrolando na Espanha desde maio de 2010 por meio de um processo ininterrupto de mudanças normativas em uma escalada articulada entre disposições estatais e de comunidades autônomas. No primeiro terreno, o da produção, as normas espanholas aprofundaram paulatinamente a abertura de espaços cada vez maiores de flexibilização do trabalho em paralelo a um processo intenso de erosão da negociação coletiva e de “des-sindicalização” de territórios extensos da produção de bens e serviços, não necessariamente coincidentes com a pequena e média empresa.

Estes processos de desregulação coletiva implicam o fortalecimento do poder unilateral dos empregadores na disposição do emprego e do tempo de trabalho. Não buscam a geração de emprego, como é dito insistentemente por dirigentes governamentais e autoridades monetárias, mas sim a desestruturação do esquema representativo coletivo do trabalho e seu confinamento em um nível de implantação reduzido, reduzindo progressivamente seu poder de negociação e de mediação representativa.

A incapacidade da reforma trabalhista para a criação de emprego é uma conclusão unânime dos juristas do trabalho [4]. Muito recentemente a ex-presidenta do Tribunal Constitucional lembrou isso em uma aula magistral por ocasião da concessão do doutorado Honoris Causa na Universidade Carlos III, de Madri. Ao analisar a função da legislação trabalhista, acusada de destruir o emprego, reduzir seu campo de aplicação a um grupo de “insiders” e, cuja reforma, portanto, teria virtudes evidentes na geração de emprego, a professora Casas explica que esta suposta capacidade criadora de postos de trabalho da lei de reforma da legislação trabalhista é negada enfaticamente pelos fatos, em especial no que diz respeito à experiência espanhola de 2010 e 2011.

“A lei da reforma trabalhista parece ter se convertido em uma espécie de caminho de tira e põe, como o que possuía o mago de Merlín e família, do grande fabulador Cunqueiro, ao serviço da geração de emprego”. Os encantamentos não são próprios da legislação trabalhista, e “as últimas reformas trabalhistas, feitas para “recuperar o caminho da criação de emprego e reduzir o desemprego”, não atingiram seu objetivo apesar de terem situado os empresários “em uma posição muito melhor” frente aos riscos da contratação de trabalhadores do que a que tinham sob as leis que, quando estavam em vigor, aumentaram os empregos em quase oito milhões de pessoas entre 1995 e 2007 (...)”.

“A instabilidade crônica das normas sobre política de emprego e modalidades de contratação trabalhista ou os contínuos ensaios sobre formação profissional e intermediação laboral provam a radical e inegável capacidade dessas urgentes e fragmentárias normas reformadoras para conseguir os fins que querem alcançar. Em sua reforma reside o reconhecimento mesmo de seu fracasso”. Desta maneira, conclui, “desse modelo de regulação trabalhista que foi sendo desenhado por meio de reformas sucessivas, que trariam grandes remédios que os fatos desmentem, resultou um direito de trabalho que sequer sustenta o conjunto dos trabalhadores e não compensa e nem corrige as desigualdades fundamentais que aumentaram notavelmente entre estes, ao mesmo tempo em que estabelece as bases de um modelo econômico de baixa produtividade. Sua superação é uma necessidade quase unanimemente aceita e um assunto absolutamente fundamental” [5].

Esta conclusão tão assertiva como desoladora é algo que todos conhecem/conhecemos. As posições governamentais e empresariais que seguem repetindo como um mantra a necessidade de seguir reformando a legislação trabalhista como condição para a recuperação econômica e a criação de emprego sabem perfeitamente que usam um argumento falso, que não resiste à comparação histórica com os ciclos de criação e destruição de emprego na Espanha, nem pode explicar as diferenças abismais entre as distintas regiões espanholas em razão do nível de emprego correspondente. Esta consciente reiteração da falsidade tem a ver com o desempenho eficaz em termos de opinião pública da justificativa desta desregulação progressiva.

Também está ligada à necessidade de desmontar as resistências culturais à flexibilização acelerada do trabalho, que se manifesta na opinião do primeiro ministro italiano “não político” ou “técnico”, o financeiro Monti, sobre o tédio de um trabalho estável, definido como uma espécie de cadeia perpétua na qual o trabalhador se encontra preso a um mesmo posto de trabalho durante toda a vida. O reverso desta afirmação é o verdadeiramente significativo: os jovens devem se acostumar ao fato de que só encontrarão em suas vidas trabalho precário, temporário, instável.

Mas a conexão constante entre criação de emprego e desregulação trabalhista tem também, como os problemas matemáticos, uma pergunta oculta. E é uma interrogação fundamental para o Direito do Trabalho. Trata-se de responder a uma pergunta central sobre a conveniência ou inconveniência do sindicato e do coletivo como elemento significativo e em alguns sentidos determinante na regulação das relações de trabalho, do projeto contratual e de sua execução. A resposta, todavia, não é explícita, como a própria pergunta, mas é crucial para a resolução do problema. É certo que existem tendências contrapostas que impedem uma tomada de postura clara por parte do empresariado. Um importante setor do mesmo, no qual pesa decisivamente a experiência histórica de trinta anos de concertação social e de prática da negociação coletiva, entende conveniente a presença sindical e sua capacidade de mediação representativa, ainda quer tirar da crise uma consolidação de sua posição dirigente.

A assinatura do segundo acordo para o emprego e a negociação coletiva para o período 2012-2014 entre CEOE-CEPYME e os sindicatos confederados responde a esta ideia e, para além da regulação salarial que propõe, a atenção deve se concentrar na confirmação que este instrumento realiza da negociação coletiva como método prioritário de regulação das relações de trabalho, e as previsões que nele se estabelecem sobre a estrutura da negociação coletiva, os procedimentos de inaplicação do convênio setorial e o amplo espaço concedido às medidas de flexibilidade interna como fórmula de intercâmbio ante a redução de empregos fixos e as extinções de contratos como medidas organizativas das empresas nesta crise [6]. Com isso, o sindicalismo confederado entende que pode preservar o núcleo de seu poder contratual, legitimado e reconhecido mediante o pacto com o empresariado.

No entanto, o acordo não fecha a possibilidade de uma nova reforma trabalhista. São muito fortes as pulsões que vem degradando as garantias de emprego e enfraquecendo o peso da dimensão coletiva nas relações de trabalho, substituindo-as por uma visão organizativa definida unilateralmente pelo poder privado do empresariado. E o novo governo anuncio que legislará sobre esta matéria de formal tal – uma reforma “dura” – que espera que os sindicatos convoquem uma greve geral contra a mesma [7]. Portanto, são previsíveis interferências e “turbulências” da lei reformadora sobre o esquema fixado na negociação coletiva. A lei 35/2010 interveio desautorizando uma boa parte dos conteúdos pactuados no segundo acordo para o emprego e a negociação coletiva 2010-2012, reduzindo o campo de atuação do poder regulador coletivo do sindicato, pelo que é possível que também o governo do PP retome a prática já experimentada na crise de utilizar a norma legal da reforma para contrariar e eliminar o que foi pactuado coletivamente. É claro que, com isso, se produz uma deslegitimação intensa da constitucionalização do trabalho em sua vertente coletiva e sindical [8]. É uma operação profundamente antidemocrática, em relação a qual, muitos setores ainda não estão suficientemente conscientes.

A segunda via de intervenção se dá no terreno social e se materializa em uma hostilidade beligerante contra o público e o estatal. O desmantelamento progressivo e a privatização dos espaços e serviços públicos de formação, de cuidado e de assistência social é um objetivo prioritário tanto da política estatal como, de forma muito visível, das comunidades autônomas. Educação e saúde como territórios de luta muito destacados, que se projetam e se replicam em muitos outros aspectos da assistência social e dos serviços públicos do sistema de proteção social. A destruição da esfera pública, acelerada pelo tratamento que se deu à crise, degradou a sensação de pertencimento a uma dimensão coletiva, destruindo portanto a solidariedade entre os seres humanos. A miséria e a pobreza crescem indefectivelmente nesse panorama onde o princípio igualitário e sua consideração material, reconhecidos como eixo do constitucionalismo do trabalho e da cláusula social que compromete a ação do Estado, são conscientemente negados.

Estamos acostumados a que, no setor público, as intervenções anti-crise se centrem na redução salarial direta ou na perda de poder aquisitivo dos salários por meio do mecanismo de congelamento dos mesmos, e em uma política de contenção de gastos e de pessoal, o que é reforçado ainda mais pela cláusula da estabilidade orçamentária e sua exigência legal. Avalia-se corretamente o caráter “injusto e suicida” desta política no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e à criação de riqueza [9], mas não se reflete suficientemente sobre os múltiplos aspectos problemáticos que estas ações estão colocando no campo do emprego público com efeitos devastadores. Os defensores dessa política querem definir o Estado como um espaço singular de regras separado e isolado das que regem a relação entre lei e convenção coletiva na produção de normas trabalhistas. E neste espaço se quer criar uma barreira de imunidade frente à vigência efetiva da liberdade sindical coletiva de atuação na regulação coletiva das relações de trabalho no emprego público.

O sistema espanhol se baseia na força vinculante do convênio coletivo de eficácia normativa e geral. Na crise, a lei está criando um estado de exceção econômico que modifica diretamente o conteúdo dos acordos coletivos e pretende que estes não se apliquem em aspectos substanciais. Com isso se esvazia de conteúdo o direito de negociação coletiva, fazendo a liberdade sindical perder sentido. As faculdades especiais dessa liberdade, reconhecidas por lei orgânica, de ordenar e disciplinar as condições de trabalho emprego, são relativizadas pela legislação de urgente necessidade.

O processo afeta a negociação coletiva no setor público, reconhecida de forma ampla no Estatuto Básico do Empregado Público (EBEP), a qual se aplica como regra geral da crise a exceção muito limitada que assinala o parágrafo 10 do artigo 38 do EBEP, que garante o cumprimento dos pactos e acordos, “salvo quando excepcionalmente e por causa grave de interesse público derivada de uma alteração substancial das circunstâncias econômicas, os órgãos de governo das administrações públicas suspendam ou modifiquem o cumprimento de pactos e acordos já firmados, na medida estritamente necessária para salvaguardar o interesse público”.

A excepcionalidade e a gravidade da situação que altera substancialmente as circunstâncias econômicas é alegada agora massivamente como cláusula para derrogar e modificar os pactos e acordos dos empregados públicos, que veem assim substituída a negociação coletiva de suas condições de trabalho pactuadas entre os sindicatos representativos e a Administração, por uma decisão unilateral do poder público que reduz os padrões salariais, de jornada de trabalho e de serviços sociais que haviam sido reconhecidos coletivamente.

Esse processo de verdadeiro confisco de direitos constitucionais básicos, a liberdade sindical e a negociação coletiva, é praticado também pelas administrações autônomas, onde há dúvidas mais do que fundadas sobre a capacidade das leis autonômicas e dos acordos dos órgãos de governo destas administrações para reduzir os direitos sindicais e as condições de trabalho. Isso ocorre não só sobre os acordos e pactos dos empregados, mas sobre os convênios coletivos dos trabalhadores a serviço de qualquer das administrações públicas envolvidas, estatal, autonômica, local e nas empresas públicas.

Mediante a lei de exceção econômica por causa da crise, anula-se na prática a negociação coletiva e a ação sindical coletiva na regulação das condições de trabalho. O setor público é, portanto, um campo avançado da tendência a privar os sindicatos representativos do poder normativo que a lei orgânica de liberdade sindical reconhece a eles. Cabe perguntar pelo significado político-constitucional desta tendência e se a singularidade do emprego público permite a aplicação massiva e generalizada de decisões de não aplicação e substituição de acordos, pactos e convênios coletivos neste setor, na base de uma consideração unilateral do “interesse público” em cuja definição não tem lugar o pluralismo social nem o respeito dos direitos fundamentais reconhecidos na Constituição espanhola.

Além disso, e contra o que normalmente se acredita, o espaço do emprego público está sendo colocado no centro das táticas de redução de efetivos, com uma ampla flexibilidade na obtenção destes objetivos e uma correlata perda de garantias. A muito criticada doutrina do Tribunal Supremo que criou uma nova categoria de trabalhadores na Administração, o indefinido não fixo, consolidou um tipo contratual em uma situação especial de risco a respeito da amortização de sua vaga ou da negativa a mantê-la, sem a previsão de uma indenização nem controle sindical ante a extinção do contrato nos casos de demissão coletiva.

A privatização dos serviços públicos gerou uma grande quantidade de terceirizações de serviços das administrações públicas a partir do esquema da contratação de serviços mediante contratos e subcontratos. A estratégia de redução de gastos e a política de austeridade conduz a não pagar o contrato, rescindi-lo e posteriormente voltar a oferecer o trabalho a um preço mais baixo. As consequências a respeito da redução de emprego após a rescisão e a renegociação do contrato e a cadeia de subcontratações sucessivas são muito graves e colocam numerosas interrogações sobre a responsabilidade solidária da entidade pública contratante e as empresas contratadas que já não funcionam.

Estes conflitos sobre o emprego no setor público, onde a capacidade de regulação coletiva e sindical das condições de trabalho foram reduzidas à nada, com grave quebra dos princípios constitucionais, permitem que se estenda, assim como ocorreu no setor privado, a precariedade e a flexibilidade em muitos de seus circuitos de prestação de serviços. É importante assinalar que seu desenvolvimento coincide com a abertura de debate sobre a necessidade de que o usuário do serviço pague uma parte de seu custo como forma de garantir a sustentabilidade do mesmo. A transformação do usuário em cliente parece que, por si só, permitiria melhorar a qualidade dos reduzidos serviços sociais de origem e caráter público.

Está se produzindo, portanto, uma mudança profunda na consideração das coordenadas básicas de uma civilização construída em torno do valor político do trabalho e de alguns direitos de cidadania no plano social guiados por um princípio igualitário sustentado pela ação do Estado social. Essa mudança vem sendo efetuada sob a ameaça da crise e da pressão dos mercados financeiros, apresentando-se, pois, como uma situação de exceção às regras políticas e jurídicas que não são consideradas "adequadas" para gerir a situação de emergência. Desta maneira, implicitamente, se faz circular a ideia de que a democracia em seu componente político e social e suas dimensões pública e coletiva é um método de governo inapropriado frente às situações críticas do sistema econômico e que, por conseguinte, estas devem ser resolvidas prescindindo destas dimensões.

São tempos duros, certamente, tempos difíceis, mas o resultado final destes processos está aberto. Como o próprio tempo de duração da crise, cujo final se reenvia constantemente dois anos mais tarde da data que havia sido anunciada como o momento da recuperação. Neste tempo dilatado, aumentam os riscos de fratura social e o sindicalismo está impulsionando mobilizações de resistência, ao mesmo que tenta construir uma proposta coerente com a situação de crise que enfrentamos, a partir da qual possa explicar seu próprio programa de ação e afiançar sua mediação representativa no emprego e no trabalho. Mas os juristas do trabalho não podem refugiar-se no restrito círculo dos comentários acadêmicos, mantendo um silêncio suficientemente eloquente de sua irrelevância midiática. É importante considerar o espaço dos direitos trabalhistas como um terreno de confrontação ideológica e de orientação cultural e política contrahegemônica que requer uma presença organizada dos juristas do trabalho interessados em preservar o modelo constitucional da democracia social e a renovação da esfera pública em um sentido democrático real.

(*) Antonio Baylos é professor de Direito do Trabalho e Trabalho Social, na Universidade de Castilla-La Mancha

NOTAS
[1] De forma sintética sobre o tema, F. Berardi, “Bifo”, el sabio, el mercader y el guerrero. Del rechazo del trabajo al surgimiento del cognitariado, Acuarela & Machado Libros, Madrid, 2007, pp. 127 – 130.

[2] L. Ferrajoli, Poderes salvajes. La crisis de la democracia constitucional, Trotta, Madrid, 2011.

[3] G. Pisarello, Un largo Termidor. La ofensiva del constitucionalismo antidemocrático. Trotta, Madrid, 2011.

[4] Também quando as reformas trabalhistas são progressistas, como a redução do tempo de trabalho na França. Sua efetividade em termos de emprego é muito questionável, enquanto que desdobra seus efeitos positivos em outros âmbitos de fortalecimento coletivo e de mudança de cultura na relação entre tempo de trabalho e tempo de vida. Cfr. A. Jeammaud, “La experiencia francesa de reducción del tiempo de trabajo”, RDS nº 53 (2011), pp. 8 ss.

[5] M.E. Casas Baamonde, Aula Magna por ocasião da outorga do doctor honoris causa por la Universidad Carlos III de Madrid, Getafe, 27 de enero 2012.

[6] Ver neste sentido, J. Coscubiela, “Una primera lectura de los acuerdos CCOO, UGT y CEOE”, Nueva Tribuna, 29 de enero 2012, http://www.nuevatribuna.es/opinion/joan-coscubiela/2012-01-25/una-primera-lectura-de-los-acuerdos-ccoo-ugt-y-ceoe/2012012500322900858.html

[7] O presidente Mariano Rajoy foi surpreendido por un microfone aberto no Conselho Europeu em Bruxelas, em 30 de janeiro de 2012, afirmando a seu homólogo finlandês que “a reforma laboral vai me custar uma greve”. http://www.publico.es/419493/rajoy-pillado-la-reforma-laboral-me-va-a-costar-una-huelga

[8] Não só privativa da Espanha. Ver U. Romagnoli, “Diritto del lavoro: torniamo alla costituzione”, en Eguaglianza e libertà, http://www.eguaglianzaeliberta.it/articolo.asp?id=1456

[9] J. Coscubiela, “El PP se estrena con políticas injustas y suicidas”, Nueva Tribuna, 13 de enero 2012, http://www.nuevatribuna.es/opinion/joan-coscubiela/2012-01-08/el-pp-se-estrena-con-politicas-injustas-y-suicidas/2012010821243700194.html.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

sábado, 17 de março de 2012

Sem uma esquerda partidária forte, para onde vai o mundo?


Sem uma esquerda partidária forte, para onde vai o mundo?

*Por Milton Temer

É a questão fundamental de nosso tempo. Para onde caminha a humanidade com a forma predatória e antisocial com que se afirma de forma crescente e acelerada a hegemonia do grande capital financeiro? Com a forma como se afirma a perversidade das austeridades fiscais que sufocam homens e mulheres dependentes de seus empregos e salários com a mesma intensidade com que se transferem recursos públicos infindáveis para os cofres dos que mais responsabilidade têm na geração do caos econômico dos tempos atuais?

O desabafo vem por conta do artigo produzido por um dos yuppies do nosso “livre mercado”, Rodrigo Constantino, em artigo produzido no Globo de hoje. Ali ele faz – por via indireta, numa espécie de resenha de um livro típico das bibliotecas “neocon” das organizações fundamentalistas norte-americanas – a apologia da “liberdade individual” absoluta. E o faz, ao fim e ao cabo, através da condenação de um princípio inscrito na Revolução Francesa, ao consolidar o poder burguês contra o absolutismo que marcava o regime monárquico anterior. O faz, transformando a preocupação com o social em marca do autoritarismo; negando a fraternidade como um objetivo a alcançar numa sociedade humanisticamente avançada. A valorização da solidariedade seria uma forma de garantir os incompetentes contra os mais produtivos…

O trágico nisso tudo é que o anseio de restabelecer a ordem natural – a chamada lei da selva em que o predador mais forte consome o mais débil – como modelo social vem se espraiando rapidamente. Faz sentido, na lógica predominante dos governos reacionários das principais potências capitalistas, eleitos em sufrágios universais,  e de seus formuladores na grande mídia conservadora. Mas é algo absurdo, se considerarmos o que representa de retrocesso no entendimento que o ser humanos só pode sobreviver dignamente em ambiente social regulamentado. Onde, no mínimo, se garanta a aplicação da Carta de Direitos que gerou a fundação da ONU. Afinal, foi essa a resposta que a humanidade encontrou como melhor antídoto ao advento da barbárie previsível caso tivesse prevalecido a vitória do III Reich nazista, na II Guerra Mundial.

É aí que se impõe a busca de solução ao desafio para as forças sociais que não aceitam esse retrocesso: com que roupa?, como indagaria o saudoso poeta da Vila.

O século XXI se marca pelo ceticismo e pela ausência de participação política daqueles que, no século XX, como segmento social, se engajaram na “assalto ao céu”. Os que viram perto a conquista de uma certa utopia, nas processos revolucionários que se iniciaram na Russia e chegaram a Cuba. Na solidariedade às lutas antiimperialistas na Ásia e na África. Na integração com a vaga anticapitalista e anunciadamente transformadora do 68, na Europa e nas Américas (inclusive nos Estados Unidos, com os Black Panters e as revoltas universitárias). Ceticismo e ausência de participação, ambos cronologicamente instalados com a autodissolução da União Soviética e com os descaminhos dos outrora heróicos processos libertários na China e no Vietnam. E que, se encontram atualmente alguma variável mais otimista com a sobrevivência de Cuba e com o surgimento dos governos bolivarianos na América Latina, se defrontam com a ascensão de uma direita radical que consegue amplas vitórias institucionais, a despeito de alguns suspiros movimentistas sem maiores condições conclusivas, nos principais países capitalistas.

O povo grego está nas ruas. Mas, nas instâncias deliberativas do Parlamento, socialdemocratas se rendem a uma aliança com a direita fascista na submissãos aos ditames da chanceler Merkel. Que consegue, pela opressão financeira e a cumplicidade das classes dominantes dos países europeus, instalar o Reich sonhado por Hitler, com a Gestapo e os campos de concentração.

“Indignados” jovens ocuparam praças da Espanha, mas não conseguiram impedir que seus pais elegessem um primeiro ministro, com maioria reacionária absoluta no Congresso. É o general Milan Astray voltando a se impor a Unamuno, numa nova derrota da República contra o franquismo.

Com que roupa, volta a pergunta, reagimos?

Só há uma saída, e ela tem que ser construída a partir do entendimento sobre o polo unificador das esquerdas anticapitalistas na determinação do sujeito histórico revolucionário de nosso tempo, assim de seus instrumentos combate político mais eficazes.

É possível reproduzir o século XX e suas circunstâncias? Certamente que não. É possível pensar em processos insurrecionais, a partir do movimentismo espontâneo? Certamente que não. Na Primavera Árabe, não foram os insurgentes progressistas que receberam armas e ajuda da OTAN e dos Estados Unidos, nem recursos e mercenários da Arábia Saudita e do Quatar. Pelo contrário.

As classes trabalhadoras, o segmento produtivo que vive de seu salário, se encontram fragmentadas em torno de diferenças materiais objetivas, no chamado Ocidente. O próprio avanço tecnológico, com predominância do caráter sagrado da propriedade privada sobre a sua função social, produziu o esvaziamento das linhas de montagem e, por consequência, dos próprios sindicatos. Graças ã “livre circulação”, promovida pela contra-revolução Reagan-Tatcher, indústrias de ponta são transferidos para regiões do mundo onde o trabalho escravo é alternativa de sobrevivência à miséria absoluta. O que transforma antigos núcleos operários, votantes da esquerda socialista ou comunista, em bastiões da xenofobia anti-imigração, e caldo de cultura para o neonazismo.

O quadro não deixa dúvidas quanto à Europa estar muito mais para anos 30 do que para o pós-II Guerra Mundial.

O que cabe à esquerda sobrevivente, a que não se rendeu nem se vendeu, é mergulhar nas potencialidades fragmentadas que a nova conjuntura impôs. Se não temos os grandes meios de comunicação de massa, temos que ir para as redes sociais. E, a partir delas, consolidar os partidos revolucionários em âmbito nacional, com permanente relação internacional. Dar rumo e política à indignação das ruas, mas sem desprezar – pelo contrário, tentando recuperar o espaço – a batalha institucional das urnas. Uma batalha que não pode se limitar a responder à pauta minimalista que a grande mídia conservadora tenta impor. Uma batalha que fundamente a necessidade essencial da desconstrução do regime capitalista com saída única para que a humanidade não mergulhe no caos irreversível da barbárie auto-destrutiva. Consolidando as lutas dirigidas – ambientais, antiraciais, feministas -, mas sem desvinculá-las da visão universal do embate entre classes sociais. Uma feminista de direita pode ser inimiga mais perigosa do que um patrão. Estão aí Tatcher e Merkel para comprovar. Malcom X já comprovava que a luta pela igualdade racial abirgava muito falacioso, que não unia a luta pela liberação dos negros à condenação do regime capitalista. E os “verdes” europeus – CohnBandit, como exemplo maior, em seus votos no Parlamento continental – estão aí para provar, com reforço dos nossos, que lutar contra o ambiente termina propiciando rendosas alianças com o grande capital.

A esperança não pode falecer, mesmo que tudo leve a dela nos desligarmos. Depende de nós e recorro aqui ao episódio final do “Fahrenheit 451, obra-prima de Truffaut. Do que tratava o filme? De uma cidade onde o corpo de bombeiros existia para incendiar bibliotecas. Para, portanto, apagar o fogo das idéias e manter o status quo. A “ordem constituida” conseguiu muito, mas não tudo. Na últma cena, num acampamento de refugiados clandestinos, um homem caminha declamando Dom Quijote, para que a criança que levava pela mão, repetindo, não deixasse morrer a memória do texto para as gerações seguintes. Venceu, pelo menos até agora, à sua forma.

*Milton Temer é jornalista, socialista, libertário.

**Fonte: Luta que Segue

quinta-feira, 1 de março de 2012

Aborto - lição de hipocrisia



Por Jeferson Malaguti Soares *

Recém-empossada na Secretaria de Políticas para Mulheres, a ministra Eleonora Menicucci já entrou levando chumbo grosso da bancada dita evangélica - na verdade, protestante -, em face de seu conhecido posicionamento a respeito do aborto, em defesa da descriminalização da sua prática e da necessidade de a rede pública de saúde realizar, gratuitamente, o procedimento.

Quanta hipocrisia! Afinal, somos ou não somos um estado laico, como determina a Constituição Federal? E a mulheres que não acreditam em Deus, atéias, têm também que se submeter às regras vigentes? Ora, no país ocorre um sem número de abortos anualmente, em todo o território nacional, a maioria sem qualquer assepsia. Gastamos uma fortuna com atendimentos de urgência de meninas e adolescentes com sangramento grave depois de um aborto malsucedido, sem se falar nas mortes que ele causa.

Colocar uma criança no mundo sem as mínimas condições de ser educada e orientada, ou de sobreviver fora do crime, também não é uma forma de abortar uma vida? Quando começa a vida afinal? E quando ela começa a terminar? Na maioria dos casos de gravidez indesejada, assim que nasce, a criança já está fadada à morte prematura de sua dignidade e cidadania.

Enquanto a discussão não se define, ou o congresso não toma uma posição mais racional, as meninas continuam a interromper suas gravidezes indesejadas em clínicas clandestinas, ou com chás de ervas e citotecs vendidos livremente nas feiras livres pelo país afora.

Não é justo pensar numa mulher moderna que não possa decidir sobre o próprio corpo, e que é obrigada a manter uma gravidez que não deseja levar adiante. Talvez seja mais honesto interrompê-la. Se é certo ou errado, cabe a ela decidir. Afinal, o aborto em si já consiste numa dura punição. A sociedade, enquanto isso, finge desconhecer o problema, porque lhe é conveniente, além de ter medo de seus próprios dogmas e preconceitos. As igrejas, então, sequer discutem o assunto, que deveria ser debatido exaustivamente.

A mulher tem que ser ouvida de forma clara e desassombrada. Não se trata de ser ou não a favor da vida. Claro que somos todos defensores dela. Por isto devemos protegê-la e salvá-la em todos os estágios e não apenas, hipocritamente, numa barriga que não está ainda preparada para gerá-la. Legalizar o aborto não significa que ele vá se tornar uma prática comum e banal, mas é, antes de tudo, uma questão de cidadania e de cuidado para com o próximo.

Um dos nossos maiores compromissos com a vida é o de sermos corajosos para vivê-la e responsáveis para gerá-la. Os seres humanos são dotados de sentimentos e poder que lhes permitem superar obstáculos, mas também obstacular o caminho do outro. Desta forma, elege-se uma verdade como única, e quem não comungar com ela, automáticamente é considerado contra ela, recebendo tratamento como tal. Há que termos temperança, virtude que nos permite negociar o equilíbrio, preservando-se os valores e respeitando-se as diferenças.


*Jeferson Malaguti Soares é membro da Executiva do PCdoB


via Observadores Sociais .