Sem uma esquerda partidária forte, para onde vai o mundo?
*Por Milton Temer
É a questão fundamental de nosso
tempo. Para onde caminha a humanidade com a forma predatória e antisocial com
que se afirma de forma crescente e acelerada a hegemonia do grande capital
financeiro? Com a forma como se afirma a perversidade das austeridades fiscais
que sufocam homens e mulheres dependentes de seus empregos e salários com a
mesma intensidade com que se transferem recursos públicos infindáveis para os
cofres dos que mais responsabilidade têm na geração do caos econômico dos
tempos atuais?
O desabafo vem por conta do artigo
produzido por um dos yuppies do nosso “livre mercado”, Rodrigo Constantino, em
artigo produzido no Globo de hoje. Ali ele faz – por via indireta, numa espécie
de resenha de um livro típico das bibliotecas “neocon” das organizações
fundamentalistas norte-americanas – a apologia da “liberdade individual”
absoluta. E o faz, ao fim e ao cabo, através da condenação de um princípio
inscrito na Revolução Francesa, ao consolidar o poder burguês contra o
absolutismo que marcava o regime monárquico anterior. O faz, transformando a
preocupação com o social em marca do autoritarismo; negando a fraternidade como
um objetivo a alcançar numa sociedade humanisticamente avançada. A valorização
da solidariedade seria uma forma de garantir os incompetentes contra os mais
produtivos…
O trágico nisso tudo é que o anseio
de restabelecer a ordem natural – a chamada lei da selva em que o predador mais
forte consome o mais débil – como modelo social vem se espraiando rapidamente.
Faz sentido, na lógica predominante dos governos reacionários das principais
potências capitalistas, eleitos em sufrágios universais, e de seus formuladores na grande mídia
conservadora. Mas é algo absurdo, se considerarmos o que representa de
retrocesso no entendimento que o ser humanos só pode sobreviver dignamente em
ambiente social regulamentado. Onde, no mínimo, se garanta a aplicação da Carta
de Direitos que gerou a fundação da ONU. Afinal, foi essa a resposta que a
humanidade encontrou como melhor antídoto ao advento da barbárie previsível
caso tivesse prevalecido a vitória do III Reich nazista, na II Guerra Mundial.
É aí que se impõe a busca de
solução ao desafio para as forças sociais que não aceitam esse retrocesso: com
que roupa?, como indagaria o saudoso poeta da Vila.
O século XXI se marca pelo
ceticismo e pela ausência de participação política daqueles que, no século XX,
como segmento social, se engajaram na “assalto ao céu”. Os que viram perto a
conquista de uma certa utopia, nas processos revolucionários que se iniciaram
na Russia e chegaram a Cuba. Na solidariedade às lutas antiimperialistas na
Ásia e na África. Na integração com a vaga anticapitalista e anunciadamente
transformadora do 68, na Europa e nas Américas (inclusive nos Estados Unidos,
com os Black Panters e as revoltas universitárias). Ceticismo e ausência de
participação, ambos cronologicamente instalados com a autodissolução da União
Soviética e com os descaminhos dos outrora heróicos processos libertários na
China e no Vietnam. E que, se encontram atualmente alguma variável mais
otimista com a sobrevivência de Cuba e com o surgimento dos governos
bolivarianos na América Latina, se defrontam com a ascensão de uma direita
radical que consegue amplas vitórias institucionais, a despeito de alguns suspiros
movimentistas sem maiores condições conclusivas, nos principais países
capitalistas.
O povo grego está nas ruas. Mas,
nas instâncias deliberativas do Parlamento, socialdemocratas se rendem a uma
aliança com a direita fascista na submissãos aos ditames da chanceler Merkel.
Que consegue, pela opressão financeira e a cumplicidade das classes dominantes
dos países europeus, instalar o Reich sonhado por Hitler, com a Gestapo e os
campos de concentração.
“Indignados” jovens ocuparam praças
da Espanha, mas não conseguiram impedir que seus pais elegessem um primeiro
ministro, com maioria reacionária absoluta no Congresso. É o general Milan
Astray voltando a se impor a Unamuno, numa nova derrota da República contra o
franquismo.
Com que roupa, volta a pergunta,
reagimos?
Só há uma saída, e ela tem que ser
construída a partir do entendimento sobre o polo unificador das esquerdas
anticapitalistas na determinação do sujeito histórico revolucionário de nosso
tempo, assim de seus instrumentos combate político mais eficazes.
É possível reproduzir o século XX e
suas circunstâncias? Certamente que não. É possível pensar em processos
insurrecionais, a partir do movimentismo espontâneo? Certamente que não. Na
Primavera Árabe, não foram os insurgentes progressistas que receberam armas e
ajuda da OTAN e dos Estados Unidos, nem recursos e mercenários da Arábia
Saudita e do Quatar. Pelo contrário.
As classes trabalhadoras, o
segmento produtivo que vive de seu salário, se encontram fragmentadas em torno
de diferenças materiais objetivas, no chamado Ocidente. O próprio avanço
tecnológico, com predominância do caráter sagrado da propriedade privada sobre
a sua função social, produziu o esvaziamento das linhas de montagem e, por
consequência, dos próprios sindicatos. Graças ã “livre circulação”, promovida
pela contra-revolução Reagan-Tatcher, indústrias de ponta são transferidos para
regiões do mundo onde o trabalho escravo é alternativa de sobrevivência à
miséria absoluta. O que transforma antigos núcleos operários, votantes da esquerda
socialista ou comunista, em bastiões da xenofobia anti-imigração, e caldo de
cultura para o neonazismo.
O quadro não deixa dúvidas quanto à
Europa estar muito mais para anos 30 do que para o pós-II Guerra Mundial.
O que cabe à esquerda sobrevivente,
a que não se rendeu nem se vendeu, é mergulhar nas potencialidades fragmentadas
que a nova conjuntura impôs. Se não temos os grandes meios de comunicação de
massa, temos que ir para as redes sociais. E, a partir delas, consolidar os
partidos revolucionários em âmbito nacional, com permanente relação
internacional. Dar rumo e política à indignação das ruas, mas sem desprezar –
pelo contrário, tentando recuperar o espaço – a batalha institucional das
urnas. Uma batalha que não pode se limitar a responder à pauta minimalista que
a grande mídia conservadora tenta impor. Uma batalha que fundamente a
necessidade essencial da desconstrução do regime capitalista com saída única
para que a humanidade não mergulhe no caos irreversível da barbárie
auto-destrutiva. Consolidando as lutas dirigidas – ambientais, antiraciais,
feministas -, mas sem desvinculá-las da visão universal do embate entre classes
sociais. Uma feminista de direita pode ser inimiga mais perigosa do que um
patrão. Estão aí Tatcher e Merkel para comprovar. Malcom X já comprovava que a
luta pela igualdade racial abirgava muito falacioso, que não unia a luta pela
liberação dos negros à condenação do regime capitalista. E os “verdes” europeus
– CohnBandit, como exemplo maior, em seus votos no Parlamento continental –
estão aí para provar, com reforço dos nossos, que lutar contra o ambiente
termina propiciando rendosas alianças com o grande capital.
A esperança não pode falecer, mesmo
que tudo leve a dela nos desligarmos. Depende de nós e recorro aqui ao episódio
final do “Fahrenheit 451″, obra-prima de Truffaut. Do que tratava o filme? De uma cidade onde o
corpo de bombeiros existia para incendiar bibliotecas. Para, portanto, apagar o
fogo das idéias e manter o status quo. A “ordem constituida” conseguiu
muito, mas não tudo. Na últma cena, num acampamento de refugiados clandestinos,
um homem caminha declamando Dom Quijote, para que a criança que levava pela
mão, repetindo, não deixasse morrer a memória do texto para as gerações
seguintes. Venceu, pelo menos até agora, à sua forma.
*Milton Temer é jornalista,
socialista, libertário.
**Fonte: Luta que Segue
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