Por Jeferson Malaguti Soares *
Recém-empossada na Secretaria de
Políticas para Mulheres, a ministra Eleonora Menicucci já entrou levando chumbo
grosso da bancada dita evangélica - na verdade, protestante -, em face de seu
conhecido posicionamento a respeito do aborto, em defesa da descriminalização
da sua prática e da necessidade de a rede pública de saúde realizar,
gratuitamente, o procedimento.
Quanta hipocrisia! Afinal, somos ou
não somos um estado laico, como determina a Constituição Federal? E a mulheres
que não acreditam em Deus, atéias, têm também que se submeter às regras
vigentes? Ora, no país ocorre um sem número de abortos anualmente, em todo o
território nacional, a maioria sem qualquer assepsia. Gastamos uma fortuna com
atendimentos de urgência de meninas e adolescentes com sangramento grave depois
de um aborto malsucedido, sem se falar nas mortes que ele causa.
Colocar uma criança no mundo sem as
mínimas condições de ser educada e orientada, ou de sobreviver fora do crime,
também não é uma forma de abortar uma vida? Quando começa a vida afinal? E
quando ela começa a terminar? Na maioria dos casos de gravidez indesejada,
assim que nasce, a criança já está fadada à morte prematura de sua dignidade e
cidadania.
Enquanto a discussão não se define,
ou o congresso não toma uma posição mais racional, as meninas continuam a
interromper suas gravidezes indesejadas em clínicas clandestinas, ou com chás
de ervas e citotecs vendidos livremente nas feiras livres pelo país afora.
Não é justo pensar numa mulher
moderna que não possa decidir sobre o próprio corpo, e que é obrigada a manter
uma gravidez que não deseja levar adiante. Talvez seja mais honesto
interrompê-la. Se é certo ou errado, cabe a ela decidir. Afinal, o aborto em si
já consiste numa dura punição. A sociedade, enquanto isso, finge desconhecer o
problema, porque lhe é conveniente, além de ter medo de seus próprios dogmas e
preconceitos. As igrejas, então, sequer discutem o assunto, que deveria ser
debatido exaustivamente.
A mulher tem que ser ouvida de
forma clara e desassombrada. Não se trata de ser ou não a favor da vida. Claro
que somos todos defensores dela. Por isto devemos protegê-la e salvá-la em
todos os estágios e não apenas, hipocritamente, numa barriga que não está ainda
preparada para gerá-la. Legalizar o aborto não significa que ele vá se tornar
uma prática comum e banal, mas é, antes de tudo, uma questão de cidadania e de
cuidado para com o próximo.
Um dos nossos maiores compromissos
com a vida é o de sermos corajosos para vivê-la e responsáveis para gerá-la. Os
seres humanos são dotados de sentimentos e poder que lhes permitem superar
obstáculos, mas também obstacular o caminho do outro. Desta forma, elege-se uma
verdade como única, e quem não comungar com ela, automáticamente é considerado
contra ela, recebendo tratamento como tal. Há que termos temperança, virtude
que nos permite negociar o equilíbrio, preservando-se os valores e
respeitando-se as diferenças.
*Jeferson Malaguti Soares é membro
da Executiva do PCdoB
via Observadores Sociais .
via Observadores Sociais .
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