Sobre a
violência que sofri no ato do Clube Militar.
por Gustavo Santana, terça, 10 de Abril de
2012 às 20:50 ·
Passados
dez dias de tudo que aconteceu comigo no ato do Clube Militar, depois de sete
dias de internação, uma cirurgia para reconstruir meu úmero dilacerado pela
pancada do cassetete de um PM, de receber centenas de ameaças e ver as pessoas
ao meu redor sofrerem com essa situação toda, percebo o quanto a violência pode
corroer nossa vida e abalar as nossas crenças.
Ainda estou
muito triste e ferido na carne com o que aconteceu, relutei muito em escrever
sobre a situação toda porque não quero exposição e até tenho achado muito
errada a forma como alguns do lado de cá tem tratado tudo. Acho que não é nosso
papel usar o que aconteceu para posar de herói ou de coitadinho, não me
considero nem um nem outro e não quero ser visto como tal.
Tampouco
somos os agressores que alguns jornais e blogs de direita tentam classificar,
não fomos para a porta do Clube Militar para impedir uma simples reunião de
anciãos. Aqueles homens prenderam, cassaram, torturaram, estupraram e mataram
utilizando-se da prerrogativa de estar protegendo o país. Fomos para lá para
dizer que não, eles não podem comemorar um regime atroz, eles não podem se vangloriar
de crimes cometidos. Estes criminosos não são heróis e a população não se
orgulha deles! Foi isso que fomos dizer na porta do seu clube.
Muitas
pessoas morreram no Brasil nas mãos daqueles homens para que pudéssemos ter o
direito de dizer o que pensamos a estas mesmas pessoas foi negado o direito a
ter memória e é por eles que fomos pra lá. Enquanto essa memória não for
revelada a luta delas estará viva, é a nossa luta, por isso fomos para a rua no
dia 29 de março.
Os ânimos
estavam exaltados, obviamente estavam. Do nosso lado tínhamos pessoas dos seus
60, 70 anos que haviam sofrido todas as violências do regime e aqueles caras
passam rindo, fazendo galhofas e gestos obscenos como quem diz: “olha aqui, nós
fizemos o que fizemos e vocês nunca vão ter de volta a dignidade ferida.” Um
confronto estava se tornando quase que inevitável e nós talvez pela arrogância
da juventude acabamos não percebendo.
Quando
estourou a confusão e o gás veio na minha direção comecei a ficar tonto e
corri, de repente uma forte dor no braço esquerdo me fez perceber a pancada,
olhei no rosto do PM ele viu que me feriu. Meu braço ficou pendurado e eu ali
olhando pra ele assustado, quando ele ameaçou me bater de novo outras pessoas
chegaram perto e parece que o valente ficou receoso e saiu de perto.
No primeiro
momento, humano que sou, confesso que tentei sentir raiva do PM que me atacou,
hoje não sinto absolutamente nada a respeito desse cara, não porque acredite
que ele seja um cara bom que estava ali só fazendo seu serviço, mas porque
acredito que esse sujeito e suas atitudes violentas são só mais um reflexo da
lógica na qual as forças de segurança são formadas no Brasil.
Se a
polícia de hoje ataca manifestantes ela o faz devido ao que aprendeu com o
regime militar, a violência é a mesma do passado, o sentido de haver um inimigo
a combater é o mesmo, só foi transferido dos agentes que lutavam contra o
regime para a população de modo geral e principalmente para a população que tem
coragem de colocar sua cara na rua.
Desde o dia
seguinte os “dignos senhores octogenários” como que relembrando o que faziam no
regime de exceção começaram a ameaçar a mim e alguns outros companheiros que
estavam no ato. Nossas fotos, nomes e locais de trabalho foram amplamente
divulgados na internet e eles se vangloriam em dizer que já estão de posse de
dados mais particulares. Quanto a isso já acionamos a Justiça e o Ministério da
Defesa, afinal que história é essa? Os caras montam um DOI-Codi particular em
pleno século XXI?
Hoje sinto na pele o mal que um ato violento
como o que me vitimou pode causar, é algo simbólico a aterrador, o medo passa a
tomar conta não só de quem sofreu, mas, sobretudo dos que estão ao redor, é
terrível ver quem você gosta sofrendo por causa do seu sofrimento.
Por hora
quero agradecer a todos que se mobilizaram para me ajudar desde o momento em
que fui atacado até agora, minha especial gratidão a minha companheira Ana, a
minha mãe Sebastiana, ao Mondego, Ricardo, Volpato, Regina, dona Amelinha e
Vladimir. Bom saber que vocês existem!
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