LIVRARIA
CAMÕES, A “PEQUENA PORTUGAL NO BRASIL”, FECHA AS PORTAS
15/1/2012
7:40, Por Vermelho
Após 40
anos, Livraria Camões anuncia fim das atividades. Notícia desencadeou onda de
protestos no Brasil e em Portugal. Foi lá que a sobrinha-neta de Ofélia,
namorada de Fernando Pessoa, lançou “Cartas de amor”, do poeta, e foi lá também
que Saramago lançou o primeiro livro no Brasil.
Por Mauro Ventura, de O Globo.com
São apenas
75 metros quadrados, mas suficientes para abrigar Portugal. Ou, pelo menos, uma
parte representativa de Portugal. É a Livraria Camões, no Shopping Avenida
Central, no Centro do Rio, aberta em novembro de 1972 e frequentada por
escritores, professores, pesquisadores, estudantes e entusiastas da cultura e
da literatura portuguesa.
a, quase 40
anos depois, ela vai fechar as portas no dia 31. O anúncio vem mobilizando
intelectuais no Brasil e em Portugal, que, por meio do Facebook (com a
comunidade “A Livraria Camões é patrimônio do Rio de Janeiro”), do YouTube e de
um abaixo-assinado, lutam para impedir a decisão.
Perplexidade
em Portugal
Escritores
como Maria Teresa Horta, Manuel Alegre e José Manuel Mendes criticam o “ato
deplorável” que atinge “o valor estratégico que é a difusão da língua e cultura
portuguesas”. O secretário-geral do Partido Socialista português, António Jose
Seguro, demonstrou “perplexidade”. O partido, por sua vez, insurgiu-se contra a
medida na Assembleia da República.
Gerente da
livraria, José Estrela foi comunicado da determinação no dia 6 por uma carta
assinada por Estêvão de Moura, presidente da Imprensa Nacional (INCM), editora
que mantém a Camões.
“Estou vivendo
minha segunda viuvez” — lamenta Estrela, que há 25 anos perdeu a mulher num
acidente de carro. — “Mas jamais imaginaria que tanta gente admirasse o
trabalho que fiz nesses 40 anos. Tenho recebido mensagens de carinho de todas
as partes. Isso me dá uma alegria que paga todo o sofrimento que eu possa ter
agora”.
Na carta,
Estêvão de Moura diz que a “evolução tecnológica, social e cultural verificada
ao longo deste tempo, com especial evidência nas duas últimas décadas, fez
evoluir o contexto em que se inscreve a missão com que a Livraria Camões foi
inicialmente constituída”. Além disso, os obstáculos “associados ao transporte
e comercialização de livros e a representação da INCM numa única livraria no
vasto território brasileiro limitaram fortemente a divulgação das nossas obras
no Brasil e comprometeram irremediavelmente a situação econômico-financeira” da
Camões.
À agência
Lusa, o diretor de marketing estratégico da INCM, Alcides Gama, acrescentou que
hoje é possível para a livraria prestar o mesmo serviço, de forma mais eficaz,
por meio das novas tecnologias. A professora Gilda Santos, da UFRJ, rebate:
“Nosso
pasmo é que, enquanto as editoras Leya e Babel estão entrando com toda força no
Brasil, a Imprensa Nacional diz que a Camões está obsoleta. Por que então não a
transformam num centro de encomendas via internet? Por que não manter o espaço
e reinventar formas de o dinamizar?”, diz.
Maior
especialista em literatura portuguesa do país, a acadêmica Cleonice
Berardinelli escreveu para Estêvão lamentando o fechamento do “último reduto,
no Rio, da aquisição de livros de Portugal” e buscando a possibilidade de se
revogar “tão drástica decisão”.
Acordo
cultural
A Camões
foi aberta como parte de um acordo cultural entre os dois países. De lá para
cá, virou ponto de referência.
“Chegamos a
ter 114 editoras portuguesas representadas. Ela é o pedacinho de Portugal mais
perto dos brasileiros. É aqui que se viam as produções mais recentes, que as
pessoas bebiam as novidades, diz Estrela: ”Importamos dois milhões de livros
portugueses. E, somente de 1984 a 1986, vendemos 200 mil exemplares. Ela é
pequena, mas era daqui que atingíamos o Brasil inteiro”.
Estrela
percorreu todos os estados com os vendedores.
“Saíamos de
ônibus e andávamos horas até, por exemplo, Belém do Pará. Chegávamos de
madrugada e tínhamos que esperar o comércio abrir. Dormíamos nas estações
rodoviárias com as malas amarradas às pernas para ninguém levar”, conta.
Essa
espécie de pequena Portugal era palco de lançamentos de autores como Lídia
Jorge e Augustina Bessa. Foi lá que a sobrinha-neta de Ofélia, namorada de
Fernando Pessoa, lançou “Cartas de amor”, do poeta.
“Foi aqui
que José Saramago lançou seu primeiro livro no Brasil”, lembra Estrela, nascido
na aldeia de Pardilhó, no distrito português de Aveiro.
No
Facebook, a ensaísta, crítica literária e professora portuguesa Maria Alzira
Seixo lembra o que Saramago dizia do gerente: “O Estrela é Portugal no Brasil.
Instiga os brasileiros a comprarem os nossos livros — mas a nós, que sabe que
os lemos e temos, quer é nos mostrar a maravilha que é o Brasil. Este homem é
um achado, um grande divulgador da cultura portuguesa através do livro, e um
cultor das relações Portugal-Brasil.”
Nos últimos
tempos, a Camões vinha enfrentando prejuízos. Em 2011, ela não importou um
único livro.
“Lisboa não
mandava. As vendas então caíram muito”, explica ele.
De cinco
anos para cá, o que era comercializado não dava para pagar as despesas de 35
mil mensais. Os 18 empregados diminuíram para cinco.
Com o
iminente fechamento, ele ainda não sabe o que fazer.
“Vou viver
meus últimos anos. Talvez continue com livros”, diz, aos 76 anos.
Sobre os
livros da Camões, vai vendê-los “para quem quiser” comprar, sejam particulares,
bibliotecas, livrarias ou universidades.
Fonte: O
Globo.com
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